Sentido de pertença
Sentido
de pertença
“Esta
insaciabilidade do olhar fotográfico altera os termos da reclusão na caverna, o
nosso mundo. Ao ensinar-nos um novo código visual, as fotografias transformam e
ampliam as nossas noções do que vale a pena olhar e do que pode ser observado.
São uma gramática e, mais importante ainda, uma ética da visão.” (ensaios sobre
fotografia, Susan Sontag)
Vou como a água pelos regos.
Quantas vezes, o olhar sedento como a terra sorve o frágil, o belo da presença.
Detenho-me. O fôlego do remanso ao entardecer reflecte o céu da infância, como
o desassossego dos pássaros em torno da luz. A projecção destas imagens
evoca-me a memória de um tempo que, sofrendo cortes, permanece.
O que somos senão a soma desses
cortes com o sentimento de pertença?
Chegam até nós fotografias
incompletas, às quais as vicissitudes do tempo provocaram danos como a um
corpo, tanto pela velhice, como pela doença, ou pelos acidentes de percurso.
Resta-nos a possibilidade de as preservar, tentando resgatar o que está em
falta. A ausência revela-se, dessa forma, uma pertença prenhe de emoções,
sensações e impressões tão longínquas e, em simultâneo, tão rentes.
Do lado de cá da câmara as
limitações criam novas perspectivas, reformulam a maneira de ver. O que até
então permanecera oculto ou sob determinado ângulo projecta-se numa linguagem
nova e múltipla, tendo o poder de conferir profundidade a uma realidade que se
encontrava fora de alcance.
Nesta tentativa de produzir uma
narrativa, acontecem cortes, fruto da fragmentação do sujeito e do objecto,
nesse silêncio ou ruído que afecta o diálogo começado. Uma enxada fende a terra, revolvendo-a de
seguida, para que esta possa gerar vida de forma contínua, conquanto sofra
interrupções.
“A
fotografia, até no ofício aparentemente inócuo da reprodução de obras de arte,
olha para o passado e anuncia-nos a inclemência do tempo.” (O Lápis Mágico, Uma
História da Construção da Fotografia; Carlos Almeida de Sousa, Carlos M.
Fernandes)
*Texto para a exposição do Curso de Fotografia Analógica a Preto e Branco do Cineclube de Guimarães.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminar